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Carta Aberta da sociedade civil no CONSEA Nacional: "Não aos retrocessos e pela ampliação doS direitos conquistados"
23/07/2016
A Carta Aberta a seguir foi elaborada por
entidades representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional (CONSEA Nacional) e manifesta a posição dessas
organizações frente a grave crise política, ética e econômica que vem ferindo o
exercício da democracia e ameaçando o estado de direitos no Brasil.
NÃO AOS RETROCESSOS E PELA AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS CONQUISTADOS
O Brasil passa por
uma grave crise política, econômica e ética que acarreta a ruptura do processo
democrático e de direitos já conquistados. Por isso, os(as) representantes da
sociedade civil no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Consea) dirigem-se à sociedade brasileira e ao governo interino para
manifestar profunda preocupação com retrocessos em direitos garantidos pela
Constituição, entre eles o direito à alimentação (Artigo 6º).
O Consea é um espaço
público que reúne representantes de governo e sociedade civil para viabilizar a
participação e o controle social nas políticas públicas de segurança alimentar
e nutricional a partir das diretrizes aprovadas nas Conferências Nacionais de
Segurança Alimentar e Nutricional. É órgão permanente de Estado previsto na Lei
nº 11.346/2006, parte do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Sisan).
A atuação do Consea
tem contribuído para o aprimoramento e monitoramento das políticas públicas com
propostas voltadas para: ampliar o acesso a alimentação adequada e saudável; promover
a produção agroecológica de alimentos produzidos pela agricultura familiar, Indígena,
quilombola e camponesa, responsável por parte significativa da alimentação
diária da nossa população; construir “pontes” entre cidade e campo; valorizar a
biodiversidade, os alimentos frescos e regionais; reconhecer o papel ativo das
mulheres para um sistema agroalimentar sustentável; respeitar a ancestralidade
negra e indígena, a africanidade e as tradições de todos os povos e comunidades
tradicionais; resgatar identidades, memórias e culturas alimentares dos povos
que compõem a população brasileira; proteger a amamentação; atender às
necessidades alimentares especiais.
A saída do Brasil do
Mapa Mundial da Fome, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e
Agricultura (FAO), em 2014, é uma conquista histórica da sociedade. O país tornou-se
referência internacional no enfrentamento da fome e desnutrição, e na
erradicação a pobreza extrema, para o quê foi essencial a construção
participativa de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.
Entretanto, o
cenário atual impõe um alerta em face da forte pressão dos interesses de mercado,
da orientação neoliberal das políticas públicas que aprofundam a recessão, provocam
desemprego e pobreza, das ameaças a direitos e do aumento do racismo
institucional. São exemplos de ameaças que podem levar a retrocessos, e à
própria volta do país ao Mapa da Fome, medidas como: manutenção de juros
elevados; interrupção da valorização do salário mínimo; flexibilização das leis
trabalhistas e reforma da previdência social; limitação de gastos com serviços
públicos de educação e saúde e o enfraquecimento do Sistema Único de Saúde; redução
do número de titulares de direitos do programa Bolsa Família; ampliação da
tributação que afeta desigualmente as populações mais empobrecidas; ausência de
regulação dos preços dos alimentos.
Reafirmamos o papel
regulador e indutor do Estado brasileiro no abastecimento alimentar da população
brasileira, englobando as esferas da produção, comercialização, distribuição e consumo
de alimentos. A segurança alimentar e nutricional deve ser um dos eixos orientadores
do desenvolvimento do país. Seu caráter intersetorial exige a integração de políticas. A não demarcação dos territórios
indígenas está diretamente relacionada com os altos índices de desnutrição e
mortalidade infantil nessa população; a não regulamentação da publicidade de alimentos contribui para os
altos índices de obesidade e sobrepeso desde a infância; a redução dos
programas voltados à agricultura familiar e a não democratização do acesso à
terra aumentam os riscos de empobrecimento da dieta tradicional brasileira e a
dependência de importações de alimentos, afetando a soberania alimentar; a
liberação da comercialização de sementes transgênicas ameaça a diversidade de
espécies de sementes nativas; o aumento do uso de agrotóxicos repercute nos
índices de intoxicações agudas e crônicas da população.
O Consea tem
insistido na aprovação do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara),
e se manifestado contrariamente ao desmonte da função de órgãos reguladores de controle dos agrotóxicos e à flexibilização
da legislação ambiental previstas em propostas em debate no Congresso
Nacional. Somos contrários também à pulverização aérea no caso do controle dos
vetores da dengue, chikungunya e zika.
Defendemos
incondicionalmente a necessidade de políticas adaptadas às especificidades e desafios
da agricultura familiar, indígena, quilombola e camponesa, seus modos de vida,
de organização e produção, que se diferenciam da agricultura patronal detentora
de grandes extensões de terra e voltada para a exportação de commodities. Por
essas razões, consideramos grave retrocesso a transformação do Ministério do
Desenvolvimento Agrário em uma Secretaria Especial, fato que enfraquece a pauta
e o aparato estatal necessário para sua efetivação, impactando negativamente
programas como a Política de ATER, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e
o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Encontram-se paralisadas
as ações de fortalecimento da convivência com o Semiárido. Denunciamos o verdadeiro
genocídio contra os povos indígenas, com destaque para o contexto de violência contra
os Guarani Kaiowá agravada nas últimas semanas, requerendo providências
emergenciais de defesa desses povos. Por isso, contestamos as propostas de
emenda constitucional que ferem os seus direitos territoriais e das comunidades
quilombolas.
O Consea repudia
qualquer manifestação preconceituosa contra as múltiplas identidades étnicas de
povos e comunidades tradicionais que caracterizam a ampla diversidade
brasileira. Enfaticamente
defendemos a importância e necessidade da existência do Conselho Nacional de Povos
e Comunidades Tradicionais (CNPCT). A extinção das secretarias de direitos
humanos, de políticas para as mulheres e de igualdade racial representa um
grave retrocesso em um país que tem o racismo, o patriarcado e a violação de
direitos humanos como vetores estruturantes das desigualdades.
Contestamos, também,
a primazia da ótica de mercado na condução da política externa brasileira e as
mudanças anunciadas, particularmente, de secundarização da cooperação sul-sul. A
cooperação técnica e humanitária tem contribuído com a estruturação de
políticas e programas em países com insegurança alimentar e nutricional grave,
especialmente, na América Latina e Caribe e na Comunidade de Países de Língua
Portuguesa.
Retroceder em
matéria de direitos fundamentais, como o Direito Humano à Alimentação Adequada
e Saudável, representa uma grave afronta ao Estado Democrático de Direito construído
com participação social. Os(as) representantes da sociedade civil do Consea reafirmam
seu posicionamento de resistência contra qualquer tentativa de reduzir direitos
e retroceder nas políticas públicas, e
realçam a necessidade de ampliar os direitos conquistados que garantem e
promovem a soberania e a segurança alimentar e nutricional no Brasil.
Brasília, 06 de
Julho de 2016
Representantes da sociedade civil do
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
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