Uma educação que valoriza o povo do sertão

09/09/2005

Melina e Tainá, aos sete anos de idade, deixaram de trabalhar no motor de sisal e foram para a escola graças à intervenção do movimento social organizado que denunciou o trabalho infantil na Região Sisaleira e construiu uma política de erradicação. Na escola que então passaram a freqüentar, não tinha apenas a professora, os livros e as paredes, nessa escola tinha algo mais: uma educação de acordo com a realidade e as necessidades do meio rural.

Essa forma diferente de construir conhecimento marcou a vida das garotas, hoje com 14 e 15 anos, que querem ser professoras para contribuir para um país melhor. "É isso que precisamos para o Brasil, professores assim que se preocupam com as crianças, não só aqueles que ensinam por dinheiro. Sabe? Aqui a gente faz roda de poesia, teatro e paródias. Tudo isso depois do Baú de Leitura e do CAT", conta Tainá.

O Projeto Baú de Leitura, iniciado em 1999, tem como desafio incentivar a prática da leitura crítica e prazerosa entre crianças e adolescentes. Já são mais de 773 baús em cerca de 50 municípios e hoje é uma das mais bem-sucedidas experiências do Movimento de Organização Comunitária (MOC) e do UNICEF dentro do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Secretaria Estadual do Trabalho e Ação Social (SETRAS) e prefeituras.

Experiência interrompida
No entanto, a Educação do Campo ainda está longe de estar universalizada e, no caso das meninas Tainá e Melina, restrita às primeiras 4 séries do ensino fundamental. No povoado de Encruzilhada, onde elas moram, não tem uma escola de 5ª a 8ª séries e por isso elas têm de se deslocar para um povoado vizinho que ainda não implantou a metodologia de Educação do Campo. Antes estudavam com professores do CAT, um projeto de Educação do Campo que vem contribuindo para o desenvolvimento territorial sustentável no sertão baiano. "No CAT os professores se dedicam mais e a gente aprende mais. Era mais prazeroso pra mim porque eu estudava o campo na escola, pesquisava em casa e levava de volta para a escola", afirma Melina.

No município de Riachão do Jacuípe, o vereador e presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais local e Teodomiro Paulo está defendendo a ampliação dessa nova metodologia de ensino: "Eu sou um defensor de uma educação voltada para o campo porque entendo que no modelo que temos atualmente o ensino só está ajudando a expulsar os jovens da zona rural. Por isso, apresentei um projeto na Câmara de Vereadores para ampliar o projeto CAT para todos as escolas do município".

Educação do Campo
Respeito à especificidade do campo e à diversidade de seus sujeitos essa é uma das lutas dos movimentos sociais organizados no País. Para as organizações que atuam nesta área cada grupo apresenta formas específicas de produção de saberes, conhecimentos, ciência, tecnologias, valores, culturas... A educação desses diferentes grupos tem especificidades que devem ser respeitadas e incorporadas nas políticas públicas e no projeto político-pedagógico da Educação do Campo, como por exemplo, a pedagogia da alternância.

Experiência bem sucedida
O projeto CAT - Conhecer, Analisar e Transformar a realidade do campo é um trabalho iniciado em 1994 na busca da melhoria da qualidade do ensino, através da formação de professores das escolas municipais do campo e da definição de políticas públicas educacionais para a zona rural. O CAT atua dentro de uma proposta que valoriza o homem e a mulher do campo, sua cultura e seu trabalho, trazendo estes elementos como base da prática pedagógica dos professores em sala de aula e produz conhecimentos que contribuem para transformação da realidade de onde vivem. "Hoje os alunos tem orgulho de dizer eu moro na zona rural, eu planto, eu colho é lá que eu vivo. Além de toda a troca de experiências entre os educadores", comenta Helena da Silva Oliveira, coordenadora pedagógica de Conceição do Coité.

O projeto é desenvolvido pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC) em parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), as entidades da sociedade civil e as prefeituras de onze municípios: Araci, Barrocas, Cansanção, Capim Grosso, Conceição do Coité, Nova Fátima, Retirolândia, Riachão do Jacuípe, Santa Luz, Santo Estevão e Valente. Outros oito novos municípios já se preparam para iniciar o trabalho pedagógico dentro da metodologia deste projeto em 2006. São eles: Candeal, Ichú, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Queimadas, Quijingue e Tucano.

"O CAT demonstra a possibilidade de sociedade civil e poder público atuarem juntos na construção de uma Política Pública de Educação no Campo de qualidade e que contribua para o fortalecimento da agricultura familiar e a construção do desenvolvimento sustentável", afirma Vera Carneiro, coordenadora do Programa de Educação do Campo do MOC. A metodologia, apoiada em Paulo Freire, é desenvolvida com base no trinômio conhecer, analisar e transformar, que leva as crianças a conhecerem a realidade do seu entorno, refletir e criar conhecimentos a partir dela, para buscar, com a família e a comunidade, formas de transformá-la.

No processo de formação do CAT, os professores e coordenadores participam dos encontros intermunicipais de estudo, avaliação e planejamento das unidades letivas, oficinas e seminários temáticos nos municípios, ocasião em que os mesmos produzem o próprio material didático, adequado à realidade da escola, do município e da região. O CAT já formou cerca de 2.000 professores e, atualmente, envolve 488 educadores já atuando com as crianças e mais 40 que compõem as equipes pedagógicas dos novos municípios, as quais se preparam para implementar a proposta no ano que vem. As equipes pedagógicas constam de quatro coordenadores selecionados pela Secretarias Municipais de Educação e um representante da sociedade civil organizada do município.