A Trajetória de Maria Baía: Protagonismo Feminino e Inovação com PANCs no Semiárido
Experiências

A Trajetória de Maria Baía: Protagonismo Feminino e Inovação com PANCs no Semiárido

Resgatando as riquezas da Caatinga e promovendo um novo olhar sobre a alimentação saudável e sustentável

Em Santaluz, no coração do semiárido baiano, uma agricultora vem transformando a relação da comunidade com os preciosos recursos do bioma Caatinga. Maria Baía, moradora do Assentamento de Rose, encontrou nas Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) uma forma criativa e sustentável de valorizar os recursos naturais, fortalecendo a segurança alimentar e promovendo uma alimentação mais saudável. Seu trabalho resgata a riqueza da Caatinga e inspira novas possibilidades para o futuro.

“Sou agricultora aqui de Santaluz e trabalho com as PANCs, essas plantas que muita gente chama de 'mato'. Todo esse conhecimento que eu tenho veio de um senhor que me deu uma orientação lá em 2004. Ele me pediu pra fazer uma comida diferente, mais natural. Aí, eu pensei nos cactos, que são frutos bem gostosos, e me perguntei: 'Por que não aproveitar esses cactos no lugar da carne?' E foi assim que comecei a trabalhar com eles, usando a criatividade pra transformar em comida boa e saudável, e também ajudar o pessoal da comunidade”, conta Baía.

Desde então, ela vem dedicando sua vida a explorar o potencial das plantas nativas do bioma, criando pratos que aliam sabor, valor nutricional e sustentabilidade. Porém, o trabalho de Baía não está isento de desafios. Ela explica que ainda não possui condições de realizar o manejo ou cultivo das PANCs, mas se dedica a coletá-las diretamente da Caatinga, observando o tempo correto para a colheita: “Eu não tenho um manejo de plantio das plantas porque nunca fiz esse tipo de cultivo. Eu, sozinha, não tenho condições de plantar, mas eu colho as plantas direto da Caatinga. Trabalho assim, mas sempre penso que um dia alguém vai me ajudar a plantar também.”

A falta de recursos hídricos é outra barreira enfrentada pela agricultora. “Aqui no nosso sertão tem muito dias de estiagem, né? E as plantas precisam de água pra se manter. Se a gente fizer o plantio e não tiver como cuidar com água, elas não vão resistir. Você vê hoje, se chegar na Caatinga, dá até dó. O mandacaru tá todo murcho, o xique-xique, a babosa... tudo sem carne, tudo magro. A gente precisa ter água pra essas plantas se manterem e pra que o trabalho na terra seja mais forte e duradouro.”

Apesar das dificuldades, Baía segue inspirando a comunidade com suas receitas inovadoras. “A gente sabia que plantas como o mandacaru e o xique-xique, antigamente, eram vistas só como comida pra animal, né? Não dávamos valor nenhum a elas, mas não sabíamos o quanto estávamos perdendo em termos de saúde. Hoje, sei que a babosa, por exemplo, é muito medicinal. A natureza nos dá tantas opções saudáveis, e nós precisamos valorizar isso.”

O protagonismo feminino também é um pilar importante de sua história. Baía já capacitou 10 mulheres da comunidade em cursos sobre o uso das PANCs. “Eu tenho muito orgulho do meu trabalho aqui. Já capacitei 10 mulheres com um curso que dei, e embora nem todas tenham recebido o certificado, todas aprenderam muito. Agora, estou planejando trabalhar com mais pessoas, se Deus quiser.”


O impacto de seu trabalho foi consolidado em um livro, que marca o início de sua jornada: “Eu também tenho um livro publicado, mas ele é pequeno, focado mais na palma, porque foi no início do meu trabalho com os cactos. Esse livro foi escrito de forma simples, cada receita eu anotava no papel, conforme ia fazendo. Hoje, tenho muitas mais receitas e penso até em fazer outro livro, porque as receitas aumentaram muito, não são mais poucas como no começo.”

Entre as receitas mais populares estão pratos como moqueca de camarão com mandacaru, xique-xique com peixe, e sobremesas como sorvete de babosa, que conquistam tanto pela criatividade quanto pelo sabor.

“Eu vejo meu trabalho como um 'trabalho de formiguinha', porque a cada dia descubro algo novo. Desde 2004, venho criando pratos alternativos, com várias receitas, tanto doces quanto salgadas, e cada matéria-prima me permite explorar novas possibilidades. Sou muito grata a Deus por esse dom”, finaliza.

Baía é um exemplo vivo de como a agroecologia e o protagonismo feminino podem transformar vidas no semiárido, onde a sabedoria ancestral e a resiliência humana se encontram para promover uma convivência harmoniosa com a Caatinga. Ela, como guardiã desse bioma único, encontra nas plantas nativas um tesouro de sustento e aprendizado, mostrando que é possível viver bem no semiárido ao respeitar e valorizar seus recursos. Cada planta, como o cacto, o mandacaru e o xique-xique, é uma prova da adaptação e da generosidade da natureza, capaz de oferecer alimentos e remédios quando manejados com conhecimento. O trabalho de Baía é um tributo à biodiversidade da Caatinga, que, longe de ser um desafio, revela-se como um ambiente rico em oportunidades para quem sabe conviver com suas riquezas. Ao compartilhar seu saber, Baía inspira não apenas mulheres, mas todas as pessoas que buscam um modo de vida mais sustentável e conectado com a natureza, mostrando que é possível prosperar com criatividade, respeito e inovação.

O projeto, intitulado “Edu-cativando na Caatinga - Fortalecimento da resiliência das comunidades afetadas no bioma Caatinga na região semiárida da Bahia”, visa fortalecer as comunidades rurais no bioma Caatinga, com foco especial em crianças, jovens e suas famílias, para protegê-los dos impactos das mudanças climáticas no semiárido baiano. Uma das ações do projeto é mostrar as riquezas do bioma, como as exemplificadas pela trajetória de Dona Baía, que, com seu trabalho com as plantas alimentícias não convencionais (PANCs), revela o potencial da Caatinga para promover uma alimentação saudável e sustentável.

 

Texto: Alan Suzarte

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