MOC lança campanha "Sem Medo" e reforça mobilização pelo fim da violência contra meninas e mulheres

21/11/2025
MOC lança campanha

O Movimento de Organização Comunitária (MOC) lançou, na última quarta-feira (19), na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), a campanha “Sem Medo – Pela não violência contra meninas e mulheres”, marcando a abertura regional dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, mobilização internacional promovida pela ONU Mulheres. O encontro reuniu representantes de movimentos sociais, organizações comunitárias, instituições públicas, coletivos de juventude e lideranças de diversos territórios, como Sisal, Portal do Sertão, Bacia do Jacuípe, Agreste, reforçando a urgência de ampliar ações coordenadas diante do aumento da violência de gênero no estado e no país.

A Bahia permanece como o estado do Nordeste com maior número de casos de violência contra mulheres, o que tem mobilizado entidades a fortalecer articulações regionais. Em 2024, o estado registrou 83 feminicídios, dos quais mais de 60% ocorreram dentro de casa, tendo como principais vítimas mulheres negras e pobres. Esses números se somam aos dados nacionais que revelam que o Brasil registrou, no mesmo ano, um feminicídio a cada seis horas, sendo sete em cada dez vítimas mulheres negras, e que 68% das mulheres assassinadas conheciam o agressor. Além disso, a Central Ligue 180 contabilizou mais de 750 mil atendimentos em 2024, um crescimento de 12% em relação ao ano anterior. Segundo o Ministério das Mulheres, os tipos de violência mais registrados continuam sendo a psicológica, a física e a sexual.

Durante o lançamento da campanha, a coordenadora do PGGIR do MOC, Selma Glória, ressaltou a importância da continuidade histórica da mobilização regional. Ela destacou que, ao longo de mais de uma década, a campanha se consolidou como um processo contínuo de articulação territorial e política. Em suas palavras, “o MOC, junto com as organizações parceiras, mais um ano realiza a campanha dos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra meninas e mulheres. Uma campanha que já está aí na rua há mais de 10 anos, acho que uns 13 anos. E nesse período o MOC vem se fortalecendo junto com as organizações parceiras para que a problemática da violência seja também assumida por outras organizações e para que essas organizações se fortaleçam nos municípios e dialoguem mais com o poder público sobre políticas para as mulheres.”

Selma lembrou ainda que o enfrentamento não se resume à legislação, por mais essencial que ela seja, e apontou a necessidade de políticas públicas efetivas. “A violência não se rompe apenas com a lei. A lei é necessária, mas sozinha não pensa políticas públicas, não garante autonomia socioeconômica. Quanto mais pobres são as mulheres e meninas negras, mais vulneráveis elas ficam às violências. Portanto, essa campanha tem o objetivo de convocar toda a sociedade para essa luta. Romper a violência depende de mudança de cultura, de concepção, de olhar sobre o lugar das mulheres e meninas na nossa sociedade.”

A secretária de Políticas para as Mulheres da Bahia, Neusa Cadore, reforçou a importância da articulação regional, destacando que organizações com capilaridade e legitimidade nos territórios são fundamentais para ampliar o alcance das políticas públicas. Segundo ela, “quero saudar o MOC, que junto com outras entidades liderou toda uma articulação para fazer acontecer esse lançamento dos 21 dias de ativismo em Feira de Santana, reunindo vários territórios. É um evento importantíssimo para incentivar as mulheres dos diversos municípios a estarem juntas, engajadas nessa agenda. É a oportunidade de repensar todos os tipos de violência e fortalecer iniciativas já existentes.”

Representando o movimento de mulheres de Santa Luz, Maria da Fátima trouxe a força das organizações comunitárias do interior. Ela destacou que a presença das mulheres das comunidades reafirma a centralidade dos territórios na luta contra o machismo e o racismo estrutural que atravessam a violência de gênero. “Estou aqui representando o  movimento de mulheres de Santa Luz. Estar presente neste lançamento é muito importante, porque mostra que a luta pelo fim da violência contra meninas e mulheres continua viva nos territórios. Esse evento fortalece nosso engajamento e reafirma nosso compromisso com nossos direitos, com a formação das meninas e mulheres sobre o que é violência e com a construção de caminhos de proteção. Saímos daqui mais fortalecidas e ainda mais determinadas a seguir nessa luta.”

A dimensão interseccional da violência que atinge de maneira ainda mais intensa mulheres negras, periféricas, rurais, trans e travestis também ganhou destaque nas falas que compuseram o lançamento da campanha. A educadora social Denise Almeida, colaboradora do MOC e integrante do projeto “Oxe, Me Respeite nas Escolas”, iniciativa da Secretaria de Políticas para as Mulheres em parceria com a Secretaria de Educação, reforçou que o enfrentamento às violências exige reconhecer os diferentes marcadores que atravessam os corpos das mulheres.

Em sua intervenção, Denise ressaltou a urgência de ampliar o debate sobre raça, gênero e dissidências, especialmente num país que figura há anos entre os que mais matam pessoas trans. Ela afirmou:

“Estamos aqui na campanha Sem Medo para fortalecer o combate à violência contra todas as mulheres, fazendo uma interseção necessária entre raça e gênero. Quero demarcar o lugar do grupo dissidente que represento, um grupo violentado cotidianamente no Brasil, que segue sendo o país que mais mata mulheres trans e travestis. Trazer essa discussão no enfrentamento à violência contra todas as mulheres é reafirmar nossa luta e nosso compromisso de forma interseccional, lembrando que essas violências atravessam sobretudo os corpos de mulheres racializadas.”

A presença da Ronda Maria da Penha – Portal do Sertão reforçou a articulação com as forças de segurança. O subtenente PM Florisvaldo destacou que a atuação da polícia deve ser vista como aliada na proteção e prevenção: “Essa participação mostra não só o caráter de reação, de ação contra a violência, mas também a importância da prevenção. Estar aqui mostra como a sociedade pode contar com o apoio da Polícia Militar.”

A juventude também marcou presença com protagonismo. A estudante Kevelyn Bispo, do Colégio Estadual Governador Luiz Viana Filho, trouxe uma fala potente sobre a violência estrutural que atravessa a vida de meninas negras desde cedo. Em sua intervenção, ela afirmou: “Mulheres negras são as que mais sofrem violência no país e são as mais marginalizadas. Nós, mulheres negras, estamos em posição de vulnerabilidade desde o ensino fundamental. Ninguém nasce racista; as pessoas se tornam racistas pela influência de uma sociedade eurocêntrica, racista e patriarcal.”

O evento reafirmou ainda os desafios enfrentados por mulheres do interior, onde muitas cidades carecem de estrutura de proteção, Delegacias Especializadas e equipes preparadas para acolhimento. Esse cenário intensifica situações de vulnerabilidade, especialmente para mulheres negras, jovens, rurais e periféricas. Ao mesmo tempo, reforçou a necessidade de fortalecer redes comunitárias, coletivos de juventude e políticas locais de prevenção e proteção.

O MOC destacou avanços na legislação, como a Lei nº 14.994/2024, que transformou o feminicídio em crime autônomo, e a Lei nº 14.857/2024, que garante o sigilo do nome da vítima. Também foram lembradas atualizações na Lei Maria da Penha e debates sobre novas legislações para enfrentar violência digital — de assédio a conteúdos produzidos com inteligência artificial.

Ao final, o movimento reforçou sua mensagem central: “Você não está sozinha! Denuncie.”

E divulgou os canais de apoio: Ligue 180, 190, CREAS, CRAS e Delegacias da Mulher.

Com o lançamento da campanha “Sem Medo”, o MOC e suas parceiras reafirmam seu compromisso cotidiano com a defesa da vida, da autonomia e da liberdade das mulheres  por uma Bahia sem medo e por um Brasil sem violência.

Texto: Alan Suzarte