Uma jornada para cidadania

06/06/2008

“Com sete anos de idade comecei a trabalhar cortando a palha do sisal, eu acordava às cinco horas da manhã e trabalhava durante sete horas para receber R$ 5 por semana. Nos dias que terminava de cortar o sisal cedo e chegava em casa meio- dia, almoçava e ia para a escola, que ficava à 4km da minha casa. Eu só estudava  mesmo quando meu pai conseguia trabalho perto de algum colégio porque ele só tinha o motor do sisal e a gente viajava para vários lugares para cortar a palha nos campos dos outros. Por isso mudamos muitas vezes de casa e eu não tinha como saber se no próximo mês estaria ainda na escola”. 
        
Esta história contada por Núbia da Silva Oliveira, moradora do acampamento 1º de maio, em Conceição do Coité, retrata parte da sua infância que foi marcada pelo trabalho e o pouco acesso aos estudos. A jovem de 23 anos foi uma das milhares de crianças do Semi-árido que foram forçadas a se debruçar ao trabalho para garantir a sobrevivência. “Costumo dizer que por causa do trabalho não tive infância. Na época que muitas crianças estavam brincando e estudando, eu ajudava meus pais para garantir pelo menos a alimentação e não imaginava que mudanças poderiam acontecer em minha vida”, afirma Núbia. 
        
Mas a história de Núbia ganhou um novo rumo.  Em 1997, a jovem foi contemplada pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e teve a oportunidade de se afastar do motor do sisal e trocar a palha pelos livros.  Com o ingresso no programa, Núbia começou a freqüentar a escola e nessa nova fase encontrou a alegria de ser criança. “Aos 13 anos comecei a viver a minha infância, só nessa nova etapa de minha vida tive um pouco de lazer porque na escola a gente aprende brincando”, relata. 
        
Formando cidadãos – Segundo dados do Programa de Educação do Movimento de Organização Comunitária (MOC), entre as crianças da Região Sisaleira que participaram do PETI, 68 delas ingressaram na universidade. Núbia é uma delas e cursa o 6º semestre do curso de Pedagogia da Terra, na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), em Bom Jesus da Lapa. 
 
“Escolhi esse curso porque acredito na força da minha terra e os territórios rurais precisam de educadores que se preocupem com o cotidiano dos seus alunos e desenvolvam uma metodologia educacional voltada para a realidade do campo, respeitando as particularidades de cada região”, explica a universitária.Moradora do assentamento de Nova Palmares, em Conceição do Coité, Patrícia de Jesus também descobriu o entusiasmo pelo estudo nas jornadas do PETI e atualmente está tendo a oportunidade de cursar Letras Vernáculas na UNEB. 
        
Patrícia afirma que a disciplina e o compromisso com os estudos são frutos das atividades realizadas pelo PETI e que as dificuldades do dia-a-dia só deram forças para concretizar seus sonhos. “Sempre tive uma vida difícil, comecei a trabalhar cedo para alimentar a minha família, mas a vontade de crescer, aprender mais e poder transmitir esse conhecimento para outras pessoas superou as dificuldades. Até o último ano do ensino médio, eu ainda não sabia como poderia entrar na faculdade porque nem o dinheiro do transporte eu tinha, mas sabia que ia conseguir”. 
        
Através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), Patrícia, Núbia e outros jovens puderam ingressar na universidade e fortalecer as ações de convivência com o Semi-árido, estimulando o desenvolvimento da região e de sua gente. 
        
Emocionada, Núbia diz que a persistência para entrar na faculdade foi fortalecida pelo desejo de mostrar as famílias que lugar de criança é na escola. “Somente quando me dediquei exclusivamente aos estudos consegui dar o primeiro passo para realizar meu sonho: afastar as crianças do trabalho através da conscientização das famílias. Hoje esse é um objetivo em minha vida, pois quero mostrar para as famílias que a educação é a alavanca principal para as mudanças sociais”.
        
Partilhando o aprendizado - O ingresso de Núbia na universidade tem um significado importante para a jovem e a comunidade. “Minha perseverança para estar no espaço acadêmico não é apenas para receber um diploma, mas quero adquirir conhecimento para partilhá-lo com as comunidades rurais, em assentamentos e acampamentos, porque quando o povo detém o conhecimento, ele tem o poder sobre seus direitos e só assim se reduzem as desigualdades sociais”, conta a jovem. 
 
Para Patrícia a entrada no PETI foi o caminho para viver a cidadania. “A  lém de ter acesso à educação de qualidade e contextualizada, comecei a receber uma bolsa-auxílio que proporcionou para minha família condições mais dignas para viver, pois este dinheiro ajudava a comprar principalmente a alimentação e material escolar. Todo conhecimento que adquiri na jornada ampliada tenho que agradecer as professoras do PETI que se empenharam para me ajudar a ser cidadã e agora quero retribuir formando cidadãos através da minha profissão”, revela. 
        
A jovem Núbia, que está ensinando na comunidade de Nova Palmares, acredita que o direito de freqüentar a escola é um dos instrumentos que pode mudar de forma positiva os caminhos percorridos por uma criança que já sofreu na colheita e corte do sisal, como a maioria dos jovens e adultos na Região Sisaleira.
 
“Muitas crianças estão voltando ao trabalho e se distanciando da escola. Por isto, os educadores precisam fortalecer as ações do PETI para que as crianças vivenciem as atividades do Baú de Leitura, interpretem as peças teatrais que contem a sua realidade e possam ter a mesma oportunidade que eu e outros colegas tivemos de dar continuidade aos nossos estudos”, ressalta Núbia.