Entrevista: "O sucesso do PETI está nas mãos da sociedade civil"

29/01/2005

Durante a VI e última reunião no ano de 2004 do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi divulgado que a aprovação para as políticas sociais do governo Lula vem aumentando. Para 73,5% dos entrevistados pela pesquisa CNT/Sensus, por exemplo, 2005 será um ano melhor que 2004. Ainda neste encontro, o foco foi o semi-árido do Nordeste. Você acredita que em 2005, o Governo Federal supera sua atuação, principalmente no Nordeste?

Naidison Baptista: Em termos de semi-árido, o Governo Lula já vem mostrando ações importantes. Já estamos perto da construção de 100 mil cisternas, ou seja, mais ou menos 500 mil pessoas com água potável disponível para beber. O próprio Governo já trabalha a compra antecipada da produção que tem ênfase também no semi-árido, o que significa que a produção de feijão, milho, leite em vez de ser entregue aos intermediários ela pode ser entregue diretamente à COBAL (Companhia Brasileira de Alimentos) e encaminhada posteriormente para creches, asilos e para a merenda escolar. Este ano, o CONSEA vai trabalhar uma regulamentação que facilite a compra dos produtos da agricultura familiar pela merenda escolar e a jornada ampliada do PETI. Significa um processo de geração de renda e alimentação mais saudável comprando os produtos da região como carne e leite de cabra, farinha, ovos, galinha caipira, etc. Todos produtos bons e com bom teor alimentício. Dentro do PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Governo já abriu o PRONAF Semi-Árido que é uma modalidade que adota aspectos mais específicos de convivência com o semi-árido. Mas, dentro do CONSEA estamos discutindo a ampliação de ações que as entidades da sociedade civil já fazem, por exemplo, os bancos de sementes, as barragens subterrâneas e várias modalidades de captação de água para consumo animal e produção, e não apenas para consumo humano, além de outras formas de apoio para as famílias do semi-árido produzirem mais.

Mas, a compra da merenda depende das prefeituras. Como o CONSEA pretende fazer isso virar realidade?

Naidison Baptista: A própria legislação da merenda escolar fala que o cardápio deve ser adequado à região. Só que isso não é cumprido. O CONSEA pretende fazer reuniões com os prefeitos, conscientizá-los e ampliar o debate no País, mostrando que comprando a merenda no município e na região, também gera renda para a própria prefeitura. O exemplo claro é em Serrinha, onde as famílias do PETI vendem ovos de galinha para a merenda escolar.

O ministro Patrus Ananias determinou, em dezembro passado, que a parte referente ao pagamento da bolsa do PETI deve ser de responsabilidade do programa Bolsa Família, executado pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC) do Ministério do Desenvolvimento Social. Desta forma, todo orçamento do PETI fica disponível, a partir de 2006, exclusivamente, para as chamadas atividades sócio-educativas e de convivência ou para as jornadas ampliadas. Com essa decisão, o governo mantém o PETI e amplia o atendimento às crianças e adolescentes. Esta medida não retoma toda a discussão que já ocorreu em 2003? E qual é a posição da sociedade civil neste momento?

Naidison Baptista: Agora tem uma dimensão diferente, o PETI está sendo colocado como uma política e não um programa. Como política tem uma seqüência e uma continuidade garantida, isso é muito importante e é uma luta nossa há muito tempo. Uma política é muito difícil de extinguir e um programa pode acabar de governo para governo. A medida do Ministro Patrus Ananias corresponde também com o que nós desejamos que é o aumento dos recursos para o PETI. Vale dizer que temos condição de dar uma melhor merenda e alimentação melhor na jornada ampliada, comprar mais livros para o Baú de Leitura, nós podemos ter um incremento. Isso não é fruto apenas da Bahia, mas é resultado das mobilização da Bahia e da Região Sisaleira, porque fomos nós que nunca nos conformamos quando no inicio do Governo Lula o PETI teve ameaçado em extinção, sempre batemos na porta do ministério dizendo que queríamos continuar como o PETI e isso foi importante e agora estamos colhendo os resultados. Estamos colhendo também o resultado da contratação dos monitores da jornada ampliada, mesmo que provisório, mas com um salário melhor. São 3.500 vagas de trabalhadores mantidas no Estado pagas pelo Governo da Bahia, a partir de uma seleção feita pelo próprio PETI e são pessoas já qualificadas dentro desse processo de trabalho.

Qual a sua avaliação do PETI em 2004 e quais são as perspectivas para este ano?

Naidison Baptista: No ano passado foi muito difícil. O melhor resultado foi manter o PETI. Agora está nas mãos da sociedade civil em especial, fazer valer aquilo que sempre acreditamos e dissemos que é possível. Neste ano temos muitas possibilidades com o apoio do Unicef, da Setras e da Competi. Temos que dar a volta por cima e trabalhar com qualidade. Estamos mantendo o processo de capacitação e monitoramento dos monitores, estamos mantendo e ampliando o Baú de Leitura, temos os monitores contratados e mais recursos dentro do PETI. Agora o desafio de não deixar a peteca cair é dos movimentos populares (pólos sindicais, sindicatos, movimentos de mulheres e jovens). Se deixarmos o PETI se esvair estamos perdendo uma oportunidade de construção de política de desenvolvimento para o território. Vale dizer que a experiência de território que temos veio justamente da aglutinação dos atores e programas ao redor do PETI.

As cisternas de placas de cimento para a captação de água da chuva representam uma solução de acesso a recursos hídricos que provoca grandes impactos nas condições de vida da população aqui no semi-árido brasileiro. Elas são destinadas à população rural de baixa renda que sofre com os efeitos das secas prolongadas. O Programa de Construção de Cisternas e Capacitação para Convivência com o Semi-Árido (P1MC) visa ao acesso, ao gerenciamento e à valorização da água como um direito essencial da vida e da cidadania, ampliando a compreensão e a prática da convivência sustentável e solidária com o ecossistema do semi-árido. Naidison, estamos num ano que começou muito seco. É possível se dizer em quanto tempo a meta de construir 1 milhão de cisternas será alcançada no Brasil?

Naidison Baptista: A meta do P1MC é uma meta real, que de fato queremos atingir um milhão ou mais de cisternas construídas. Porém é uma meta simbólica e que deve nos animar. Em 1999, quando lançamos o desafio, dizíamos que iríamos atingir em cinco anos, impossível. Isso significa trabalharmos 200 mil cisternas por ano. Somos muitos, mas ao mesmo tempo poucos e os recursos ainda são insuficientes. Começamos com 500 cisternas, depois construímos 12 mil ainda no Governo FHC através do Ministério do Meio Ambiente, mas foi no Governo Lula que de fato começamos e não interrompemos o programa. Agora estamos terminando uma fase de 25 mil e 500 cisternas, estamos assinando um convênio com a Febraban - Federação Brasileira Bancos de mais 10 mil cisternas e negociando com o Governo Federal mais 60 mil para trabalharmos até dezembro. Então, em 2005, com outros financiamentos que estamos recebendo, aproximadamente 110 mil cisternas serão construídas este ano, mas para chegarmos às 200 mil ainda faltam 90 mil. Mas o importante é colocarmos diante dos olhos e do coração a vontade de querer construir 1 milhão de cisternas. Avalio que vamos chegar a isso porque toda a sociedade fala nisso. A nossa maior vitória hoje é que toda sociedade fala da água potável para o semi-árido, fala do semi-árido com respeito, fala de um povo lutador e não esmolé e pedinte. Então, conseguimos colocar na mídia e na cabeça dos governantes que nós somos um povo digno, povo decente e o que precisamos são políticas que respeitem nossa condição de vida.

Porquê os prefeitos da Região do Sisal não apóiam esta política nacional de construção de cisternas?

Naidison Baptista: O apoio das prefeituras é muito pequeno, uma ou outra tem feito isso. Governo só funciona se tiver sociedade civil pressionando, independente do partido. Qualquer partido que está no Governo tem 200 mil coisas para pensar e tem prioridades. Ele só muda as prioridades se for pressionado. Por exemplo, pode ter o dinheiro e dizer que vai construir uma fábrica de pneus, se o povo pressiona e dizer que quer cisternas ele pode mudar a prioridade. A sociedade civil ainda não aprendeu direito a pressionar, ir para a Câmara de Vereadores e ir negociar com o prefeito ou a prefeita para todo ano ter uma quantia de verbas reservada para cisternas. Se cada prefeitura construísse 20 cisternas, em 25 municípios, no final do ano teremos mais 500 cisternas de placas na região. De grão em grão a galinha enche o papo. Já há município que construiu tudo que tinha de construir de cisternas outros também podem conseguir.