Duro como pedra

03/11/2005

Com uma população estimada em 31.184 habitantes, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2000, o município de Santa Luz é de clima predominantemente semi-árido, com chuvas mal distribuídas, vegetação de caatinga e recorrência dos fenômenos das secas. Por causa das limitações climáticas e dificuldades de acesso a terra, a exploração de pedras torna-se a base de sustentação econômica mais expressiva, fazendo com que trabalhadores rurais a utilizem como segunda alternativa de geração de renda e muitas vezes a principal.

Por serem filhos de famílias carentes, muitos desses extratores, ainda crianças ou adolescentes, sobretudo, quando não existia o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), eram obrigados a ir para as pedreiras, ajudando no sustento da casa. O trabalho de extração de pedras em Santa Luz é perigoso e os extratores correm risco de vida em virtude do uso de explosivos e de grandes morros que a qualquer momento podem desabar. Muitas são as vitimas de mutilações causadas pelo uso de explosivos como o clorato e a pólvora, produtos que são utilizados para detonarem as pedras.

Hoje, existem no município cerca de 1.500 trabalhadores, com idade entre 16 e 60 anos, exercendo a atividade em 15 pedreiras. Deste número, a grande maioria recebe o pagamento pelo trabalho através de vales que são trocados por alimentos. Tal pagamento é feito por empresários que repassam as pedras para outros municípios. Roberval da Costa Silva, 49 anos, casado e com três filhos, conta: "A gente passa muita dificuldade. Quando ganha muito, é 60 reais por semana. Me levanto às 5 horas da manhã e vou trabalhar até 6 horas da tarde".

Os canteiros, como também são conhecidos, são autônomos e ficam a mercê do mercado. Como não pagam a previdência social, não podem se aposentar quando ficam impedidos de exercer a função devido a mutilações ocasionadas no trabalho. Crispim Vieira de Brito, que trabalhou nas pedreiras durante 29 anos, vive de perto este dilema. Num acidente, ele perdeu a mão e parte do antibraço esquerdo e até hoje ainda não conseguiu se aposentar. "Meu pedido de aposentadoria foi negado duas vezes; hoje sobrevivo da ajuda de meus parentes", revelou Brito.

"Eu tinha que trabalhar dobrado, para não passar necessidade, hoje vivo da ajuda de minha família, porque trabalhar não posso. Futuro para mim eu sei que não tem mais. Espero que as autoridades façam alguma coisa por nós, porque desse jeito não dá!", desabafa emocionado Ademácio Santos de Jesus, de apenas 20 anos e já vitima de mutilação.

Organização dos trabalhadores fortalece a luta pelos direitos

Para amenizar a situação dos trabalhadores, há no município duas entidades que lutam em prol dos canteiros. Uma delas é o Sindicato dos Trabalhadores das Pedras, criado em 1987, que ao longo de sua existência vem reivindicando junto a órgãos de diferentes instâncias o direito à aposentadoria da categoria, além de sensibilizar os canteiros sobre o uso de equipamentos de segurança. Para o presidente Justino Nunes do Nascimento, a maior conquista da entidade foi conseguir 330 trabalhadores participando ativamente do sindicato.

Em 1997, surgiu a Cooperativa das Pedras. "Criamos a cooperativa para facilitar as vendas das pedras extraídas por nossos associados aos consumidores finais que estão fora do município. Assim, não precisamos recorrer a intermediários", diz Carlos Matos dos Santos, presidente da Cooperativa.

Em 1998, o sindicato em parceria com outras entidades, promoveu a I Jornada dos Trabalhadores nas Pedreiras de Santa Luz. Durante o encontro foi encaminhado um documento para todas as instâncias estaduais, municipais e federais, pedindo a inclusão dos trabalhadores das pedras como segurado especial da Previdência Social, já que os mesmos não têm direito previdenciário garantido. Segundo Justino Nunes, os trabalhadores rurais não pagam diretamente a Previdência, mas, se aposentam por idade, as suas esposas recebem auxilio-maternidade e auxilio-doença, enquanto que os trabalhadores das pedras não recebem nenhum desses benefícios.

Justino afirma que no primeiro ano do governo Lula, Santa Luz teve a presença do secretário e do assessor jurídico da Previdência Social, que conheceram a realidade nas pedreiras. Depois, um grande seminário foi realizado com os trabalhadores e as entidades parceiras; foi aí que a luta ganhou corpo e uma dimensão maior, mas o sindicato esperava que em 2004 fosse votada a proposta que estava inclusa em grande projeto da CONTAG, tratando da seguridade especial.

Dentre os parceiros que estão abraçando a luta em defesa dos trabalhadores das pedreiras de Santa Luz, podem ser destacados, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, o Centro de Apoio aos Interesses Comunitários (CEAIC), a Associação Comunitária Santa Luz FM, além de importantes parceiros regionais como o Movimento de Organização Comunitária (MOC), a Delegacia Regional do Trabalho (DRT) e a CESE. "Todos tem dado uma grande força para que a organização continue", acrescenta Justino.

Problemas de saúde

Além do risco de mutilações, os trabalhadores da pedra sofrem diversos problemas de saúde, e com isso são obrigados a abandonar o trabalho. Todo trabalhador da pedra sofre dores na coluna pelo excesso de peso em posições inadequadas, problemas auditivos em função dos ruídos, muitos casos de tuberculose e recentes suspeitas de silicose provenientes do pó da pedra, que ingerido pelas narinas se aloja nos pulmões. "Infelizmente já houve um caso de morte aqui em Santa Luz no local do trabalho. Foi por volta de 1987, na Serra do Lajedo, quando uma pedra caiu por cima dele e o esmagou. E fora do local, em conseqüência do trabalho, já houve vários óbitos, a maioria, com problemas pulmonares", completa Justino.

Desabafos de quem vive o drama

José Sousa dos Santos, 49 anos, quatro filhos, disse que com 12 anos foi trabalhar nas pedreiras, pois não tinha outra maneira de viver, só tinha a pedra para trabalhar e dessa forma o único jeito era ir com o pai. "Nunca estudei, pois não dava para ir para a escola. Com mais de 20 anos de trabalho sofri o acidente. Não consegui me aposentar, vivo da ajuda dos meus filhos, minha mulher trabalha em motor de sisal, e amigos ou parentes que quando podem me ajudam. Com muita dificuldade tento trabalhar com uma mão só e fazer o trabalho que um homem normal realiza em um dia, eu faço hoje em cinco, seis dias. Meus filhos tiveram que ir para as pedreiras com a faixa de 10 para 11 anos de idade e até hoje trabalham. Meus netos ainda são pequenos, têm menos de 10 anos, mas, eu acho que quando chegarem a idade vão trabalhar, porque casa de pai é escola de filho", afirmou emocionado.

"Eu trabalho na pedra porque não tem outro jeito, mais eu já passei 49 dias internado por causa desse trabalho, mas, fui obrigado a voltar, pois não achei outro meio de ganhar o sustento", afirmou Roberval da Costa Silva, trabalhador das pedreiras.

Paulo Ponciano dos Reis, 59 anos, trabalhou 25 anos nas pedreiras e a 11 foi mutilado. Não conseguiu até hoje nenhum tipo de beneficio junto à previdência social e ainda tem que lutar contra o preconceito devido a sua mutilação. "Sobrevivo da ajuda de minha esposa e dos meus filhos. No tempo de frio sinto muitas dores na mão que fora mutilada. Tenho que conviver com essa dor pelo resto da vida".