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Baú de Leitura 15 anos: Laudécio Carneiro e a descoberta do mundo através da leitura
27/08/2014
A história de Laudécio Carneiro da Silva poderia ter tomado outros rumos se não fosse a sua persistência, sua luta e a confiança em seus sonhos. Tudo começa com a infância vivida na comunidade de Lagoa Grande no município de Retirolândia localizado no território do Sisal.
Essa região foi por muito tempo conhecida como Região Sisaleira da Bahia, nomenclatura dada pelo grande cultivo do sisal, planta característica daquela localidade e que movimentava a economia e fazia parte do dia a dia de homens, mulheres, crianças e adolescentes. Também chamada de Agave Sisalana, o sisal é uma planta originária do México e bem adaptável ao sol e as climas secos e áridos. O cultivo dessa planta foi difundido no Brasil inicialmente no estado da Paraíba e a partir da década de 30 na Bahia. Foi na região do Sertão da Bahia que essa planta obteve o seu melhor rendimento e assim tornou-se um elemento característico da economia, cultura e do desenvolvimento local.
O contexto do Sisal- O beneficiamento do Sisal é destinado na sua maioria à produção da fibra e à indústria de cordoaria, na fabricação de cordas, tapetes e outros utensílios. A fibra do sisal é considerada a fibra mais dura que existe e já é utilizada em substituição a fibra de vidro, inclusive na fabricação de automóveis. Além da fabricação da fibra, a matéria-prima do sisal também é muito utilizada para a produção de bebidas, celulose, remédios, biofertilizantes, ração animal e adubos orgânicos. O Território do Sisal compreende 20 municípios da Bahia, sendo eles: Araci, Barrocas, Biritinga, Candeal, Cansanção, Conceição do Coité, Ichu, Itiúba, Lamarão, Monte Santo, Nordestina, Queimadas, Quijingue, Retirolândia, Santaluz, São Domingos, Serrinha, Teofilândia,Tucano e Valente.
O município de Retirolândia faz parte desse território e a sua história e de seus 12.000 habitantes também se cruzam com a realidade e o contexto do sisal, assim como a história do jovem Laudécio Carneiro.
Desde de muito cedo ele conheceu o trabalho na lavoura do sisal. Ainda criança trabalhava no cultivo da planta e também e nos afazeres da roça. A sua realidade não era muito diferente de outras crianças e adolescentes da sua comunidade e do seu município. Em meados dos anos 90 e 2000 muitas crianças e adolescentes protagonizavam cenas frequentes do trabalho infantil, tanto nas lavouras do sisal, como em pedreiras, carvoarias, feiras-livres e em outras atividades que prejudicavam o seu desenvolvimento físico e também intelectual.
Nesse período, Laudécio frenquentava a escola em um turno e no outro turno trabalhava. Morando com os avós ele nunca foi obrigado a trabalhar, mas via no trabalho um meio para aquisição de bens materiais, como produtos de beleza, objetos pessoais e algumas necessidades como lazer. Produtos esses que seus avós não tinham condições financeiras de lhe oferecer e o trabalho era o único meio de obter.
A passagem pelo trabalho infantil e o contato com a leitura- Laudécio relembra momentos dessa época e afirma que a mídia foi uma das grandes influenciadoras desse desejo de consumir . “Assim como meus amigos, eu compreendia o trabalho como um meio de aquisição de bens materiais, já que meus avós não tinham condições de dar tudo o que eu precisava. Hoje, sei que esse desejo de satisfação em ter objetos advém de processo de alienação que me expõe aos caprichos mercantilistas do mundo moderno onde o campo das mídias tem o papel de seduzir, através das campanhas publicitárias altamente atrativas.”, diz.
Mesmo trabalhando, ele nunca abandonou os estudos e principalmente nunca deixou de sonhar. Em 2001, quando tinha 12 anos começou a participar do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) que existia no município. Foi no PETI que ele abandonou o trabalho na roça e conheceu o Projeto Baú de Leitura. “Antes da minha inserção no PETI, eu estudava em um turno na escola regular e no outro, quando não estava brincando com meus amigos, acompanhava meu avô na roça, geralmente para ajudá-lo a cuidar dos animais e trabalhar na capina do plantio de feijão, milho e mandioca. A enxada do meu avô era a ferramenta de trabalho utilizada na limpeza do plantio, era pesada para mim. Então, ele comprou para mim uma enxadinha leve com o cabo feito de flecha de sisal.”, afirma.
Foi no PETI que as mãos de Laudécio deram adeus a enxada e começaram a tocar os livros do Baú de Leitura. Os calos e as marcas deixadas pelo trabalho infantil deram lugar às paginas dos livros, ao mundo lúdico da criatividade e da imaginação.
O responsável pelo contato com o Baú de Leitura na vida de Laudécio foi o educador Antônio dos Santos Gordiano. Na época monitor do PETI ele trabalhava com o Baú de Leitura nas suas aulas e foi ele também o responsável por despertar ainda mais nos alunos o prazer pela leitura e o encantamento pelos livros.
“Foi com o Baú de Leitura que comecei a desenvolver muito mais, minha leitura crítica e de mundo. O professor Gordiano sempre instigava seus alunos a pensar e a refletir. Além disso ele utilizava meios atrativos como teatro, paródias e poesias. Nesse período eu fui criando gosto pela leitura e passei a criar metas para o meu futuro e comecei a pensar que eu precisava estudar, comecei a fazer planos na minha vida. Foi o Baú de Leitura que deu esse primeiro impacto ma minha vida.”, afirma.
Com seu jeito animado e sempre criativo e inovador o professor Gordiano marcou a vida de muitas crianças que passaram pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil na comunidade de Lagoa Grande em Retirolândia. O trabalho com os livros do Baú em suas aulas resultavam sempre em muita festa e alegria. O professor utilizava sempre elementos da tradição popular e da cultura, além de apresentações artísticas e teatrais.
Para o professor Gordiano trabalhar com o Baú de Leitura na comunidade foi fundamental para o resgate da identidade e da cultura local. “Com o Baú de Leitura a comunidade passou a se valorizar e se reconhecer mais. Os alunos passaram a ler , interpretar e contextualizar as histórias fazendo relação com a sua realidade.”, diz.
Pelos direitos da crianças e dos adolescentes- Paralelo as atividades realizadas através do PETI e do Baú de Leitura, Laudécio que sempre gostou muito de participar de atividades de grupo, começou a participar de diversos espaços sociais como grupos de jovens e projetos sociais. Participou de projetos realizados pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC) como o Juventude e Cidadania no Sertão da Bahia e o Projeto Comunicação pelos Direitos. Além disso, ele começou a integrar a Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura e a despertar ainda mais o interesse pela comunicação.
Aprovado no vestibular da UNEB, tornou-se estudante de Comunicação Social e o seu interesse pela mobilização comunitária e pela área dos direitos da criança e dos adolescentes só aumentava. Foi um dos jovens comunicadores de mais destaque do Projeto Comunicação pelos Direitos, principalmente na sua atuação na comunidade e nas suas ideias que demonstravam a busca por melhorias para as crianças, adolescentes e para a comunidade.
Sua vontade de contribuir para os direitos das crianças e dos adolescentes o fez ser o mais bem votado conselheiro tutelar do município e hoje com apenas 24 anos de idade é considerado uma pessoa de referência na região e no território, tanto na aérea de comunicação, como nas questões sociais e comunitárias.
Atualmente Laudécio integra a Secretaria de Ação Social do de Retirolândia. Na sede da instituição, na sala em que trabalha, seu nome já o anuncia na porta:Laudécio Carneiro. É nessa sala que ele trabalha na elaboração de projetos e ações sociais e atende os seus conterrâneos ouvindo as suas histórias, buscando sempre por melhorias e por soluções.
Laudécio Carneiro é hoje o jovem que deixou o trabalho infantil e trilha os seus caminhos para uma vida e um mundo melhor. Através das suas leituras, das primeiras palavras e do primeiro contato com os livros do Baú o menino cresceu e hoje tornou-se grande. Grande como cidadão, como leitor crítico e principalmente como leitor de mundo.
Ele traçou e fez diferença na sua história e agora também busca fazer a diferença na vida de outras pessoas através de suas experiências adquiridas e acumuladas. É um exemplo que as Histórias podem sim ser felizes e reais.
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