Homens e mulheres do campo foram os protagonistas do 2º Encontro Territorial de Agricultoras e Agricultores Familiares

18/12/2014

Quando os primeiros ônibus começaram a chegar à sede do município de Riachão do Jacuípe, no último dia 16 de dezembro, trazendo consigo dezenas de homens e mulheres do campo para o 2º Encontro Territorial de Agricultores e Agricultoras Familiares, o calor abafado já anunciava mudanças no céu do sertão. Pouco a pouco o ginásio de esportes do Colégio Maria Dagmar de Miranda foi sendo ocupado por cerca de 210 pessoas de todas as idades que traziam consigo expectativas do que seria apresentado ali nos dois dias do evento.
 
Enquanto lá fora os pássaros voavam em bandos prevendo a chuva que estaria por vir, dentro do ginásio, os técnicos do Movimento de Organização Comunitária (MOC), os representantes de diversas entidades e agricultores(as) de comunidades rurais dos municípios do Território Bacia do Jacuípe, anunciavam a alegria que reinaria naquele local, num encontro conduzido pela coordenadora do Programa de Convivência com o Semiárido, Kamilla Ferreira.
 
Boas vindas foram dadas pela representante do MOC, Ana Dalva Souza: “Hoje celebramos 2014 Ano Internacional da Agricultura Familiar, tema desse encontro, celebramos as conquistas, celebramos a Lei Nacional de Assistência Técnica e celebramos todos e todas que ajudam a construir essa história”. Em seguida, apresentação cultural do grupo “Tributo ao Corpo” formado por jovens do município de Riachão, composição da mesa e uma apresentação teatral que fez uma trajetória na linha do tempo - dos conflitos às lutas e conquistas do homem do campo - trazendo aos presentes a reflexão sobre suas próprias vivências ao longo desse tempo.  A dinâmica num primeiro momento chamou a atenção para a exploração das mulheres, o trabalho escravo em carvoarias e pedreiras, seguindo para o despertar para as lutas nos movimentos sociais e, finalmente, para as conquistas de políticas afirmativas, garantia de direitos e benefícios das tecnologias sociais implementadas nas comunidades.   
 
Ao final da manhã do primeiro dia os agricultores e agricultoras se identificaram com o que viram até então e alguns compartilhavam suas histórias outrora de sofrimentos e hoje de alegrais, iguais aos pássaros que anunciavam a chuva e traziam esperança para o povo do sertão. “Primeiro era uma escravidão sem vez. Lembro das primeiras comunidades onde a gente fazia reunião e as outras pessoas mangavam da gente. O MOC incentivou e em 88 fizemos um mutirão e começamos a luta. Em 2000 chegou lá a cisterna de consumo, em 2004 a de produção. Hoje já temos produção, água, mas continuamos na luta. Muitos em outros lugares ainda não tem”, ressaltou Sr. José Ferreira, do município de Araci.
 
À tarde já com menos calor e com os primeiros e tímidos pingos de chuva, foram divididos grupos que socializaram suas experiências traçadas em relatorias gráficas e depois expostas e compartilhadas com todos. Músicas, aboios, cordéis, poesias, depoimentos emocionados, e também palavras de ordem, tudo isso compôs todo o resto do encontro. 
 
Microfone não intimidava e muitos traziam seus pensamentos, como Dona Joana Cavalcante, da comunidade de Cágados, município de Quijingue “Brigo e vou brigar até morrer contra o desmatamento, as queimadas no campo. Só vou parar de lutar com a morte”, afirmou. “Temos que trazer a juventude para dentro dos movimentos sociais”, disse o conhecido “Pavão”, da comunidade de Tapuio. As falas provavam a todo o momento a conscientização dos direitos do povo do campo.
 
“Alumiando” o sertão
À noite a chuva finalmente caiu com gosto e encheu ainda mais de alegria o coração daquele povo que mais uma vez viu suas histórias compartilhadas durante o “Sarau do Candeeiro”, momento cultural para a entrega dos boletins e banners sistematizados como uma das ações do projeto Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e do projeto Água para Todos, desenvolvido pelo governo do estado em parceria com diversas entidades. Enquanto os candeeiros “alumiava” o local, os raios clareavam os campos e os trajetos traçados pela correnteza que levavam a água da chuva para encher os barreiros e cisternas daquele povo que ali comemorava ao som do forró.
 
No dia seguinte, os comentários sobre a benção da chuva e a satisfação em participar do evento ditavam a reabertura do encontro. Dona Helena, da comunidade de Santa Rosa, já falava do evento com saudades: “Já tô imaginando acabar, porque tá muito bom. Com fé em Deus quero vir no próximo porque sempre a gente aprende mais”, dizia. Outra produtora, Dona Idelcina, da comunidade de Mucambo, em Riachão, disse que saia dali com novas experiências de como viver melhor no Semiárido: “O que foi vivido e apresentado mostra que o Semiárido é o nosso chão, nosso lugar de viver”, complementava. 
 
Uma das pessoas que compartilhou detalhes da sua própria trajetória de vida e muita atenta aos debates, Maria da Paz, conhecida em Santa Luz como Paizinha, parabenizou aos organizadores e disse se tratar de um encontro rico em experiências: “Com muitas histórias de vida, transformações, também foram mostradas as conquistas e o que falta melhorar. Cada encontro desses que participo, me sinto mais feliz”, enfatizou.
 
Representando a ASA Brasil, Agnaldo Rocha, protagonizou com muita emoção os momentos finais que antecederam à distribuição de sementes e ao sorteio de brindes, arrancando lágrimas de muitos. “São os agricultores que dizem o que é melhor para si e para sua comunidade. Não condicionam mais seu voto em troca de favores. Vocês agora sabem o que querem e quando querem, então vão lá e conquistem”, ressaltou num dos momentos de sua fala. “Vamos lutar para implementar 1 milhão da segunda água no Semiárido brasileiro”, lembrando também da importância de se efetivar a política da terceira e quarta águas para reservas de emergência nas propriedades e nas comunidades.
 
Nos céus, a chuva protagonizou a celebração da vida, e no ginásio, os agricultores e agricultoras foram os próprios protagonistas de toda a celebração. O que viram e ouviram ali foram as próprias vozes que traziam reflexões, sobre seus desafios, lutas e conquistas a partir de políticas públicas para o campo. De volta para suas comunidades, contemplando o campo molhado, foram eles que, mesmo sem perceber, abrilhantaram à proposta dos organizadores, técnicos e técnicas do Programa de Convivência com o Semiárido, do MOC, e deram voz a esse 2º Encontro Territorial de Agricultores e Agricultoras Familiares. “Alumiaram” o sertão!
 
Texto: Zezé Esteves - Comunicadora Popular ASA/MOC 
Fotos:  Kívia Carneiro, Agnaldo Rocha e Zezé Esteves  
 


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